13 de abril de 2024

Ainda o infernal terminal de ônibus de Igaraçu

 Por Sierra



Fotos: Arquivo do Autor
 Às escuras: o terminal de ônibus de Igaraçu segue firme para manter o posto de pior terminal de ônibus da Região Metropolitana do Recife


Arrastando-se por vários anos, as obras de ampliação do terminal de ônibus de Igaraçu, cidade que faz parte da Região Metropolitana do Recife, ao que parece, pegaram mesmo no tranco; e, tudo leva a crer - é melhor ser otimista, não é? -  que dentro de alguns meses - e ainda neste ano - o terminal será reinaugurado.

Como eu lhes contei no texto da semana passada, no mês de março um caminhão que transportava um contêiner atingiu parte da estrutura de sustentação do telhado do terminal, o que acabou provocando a sua interdição, porque havia o risco de toda a cobertura desabar. O efeito imediato de tal ocorrência - ontem um motorista me falou que a culpa do incidente foi de um responsável pelo terminal, que disse ao condutor que daria para fazer a manobra do caminhão, quando outros já tinha avaliado que não daria - foi que aos usuários e dependentes do sistema de transporte público de passageiros restou amargar a realidade de ter de ficar desembargando e embargando às margens de uma das rodovias que ladeiam o terminal. Ficamos ali sob sol e chuva e sem banheiros, largados e à mercê da ação de assaltantes durante quase duas semanas, confirmando aquela máxima que diz que o que está ruim pode piorar.







Ao verificar que haviam montado tendas dentro do terminal eu conjeturei que a empresa administradora daquele espaço buscara um paliativo para nós. E eu acertei  avaliação: na manhã da última terça-feira o terminal foi reaberto para a população num esquema bem mambembe que é a cara do Brasil. É claro que tendas daquele tamanho não dariam abrigo às multidões que se formam em filas para embarcar em determinadas linhas. Mas, como me disse uma minha conhecida de embarques e desembarques, "É melhor do que a gente ficar lá fora sem proteção nenhuma".

Aquele mesmo motorista que me falou da ordem dada por um dos responsáveis pelo terminal para que o condutor do caminhão fizesse a manobra que resultou na colisão, me disse que a vice-governadora do estado, Priscila Krause, visitou  o local junto com a prefeita de Igaraçu, Elcione Ramos, na quinta-feira; e que ela, a vice-governadora, anunciou que em breve as obras estarão concluídas. A previsão mais otimista diz que a reinauguração do terminal só ocorrerá em dezembro.

Na viagem de volta para casa, naquela terça-feira em que o terminal de Igaraçu foi reaberto para os usuários, eu me deparei com um espaço em grande parte tomado pela escuridão. Puseram as tendas para fazer de conta que estavam preocupados com a situação dos que dependem do sistema de transporte público de passageiros. Puseram as tendas ali e não trataram de bem iluminar a área, nos deixando ainda mais convencidos de que aquele terminal de passageiros não quer perder o posto de o pior de toda a Região Metropolitana do Recife.

Comentando o conjunto lamentável da obra de descaso para com os usuários, o bom do motorista muito falante me disse assim: "Sabe por que aquilo ali está do jeito que está? Porque as pessoas não protestaram. Não protestaram e nem sabem protestar. Veja você, elas foram largadas lá fora e ninguém protestou. E não era pra protestar lá não. Era pra irem na sede do Grande Recife e paralisar os serviços deles nos escritórios. Aí eu queria ver se a coisa não andava. O pessoal aguenta tudo calado. E não sabe protestar", ele concluiu.

É fato que a empresa que passou a administrar o terminal de ônibus de Igaraçu promoveu algumas melhorias naquele espaço, sendo a manutenção do banheiro masculino e a limpeza em geral as mais visíveis. Contudo, o abastecimento de água continua precário; o terminal dispõe de uma cisterna, mas nem sempre tem água nas torneiras; e não é raro vermos funcionários da equipe da limpeza retirando água da cisterna com um balde preso a uma vara. Por que essa situação não é resolvida, bem como a da fossa, que continua com a fedentina lá?

É claro que as tendas são melhor do que ficar ao relento total; mas elas não estão dando conta de abrigar o grande número de pessoas que ficam nas filas dos ônibus







Outro ponto da lista de itens negativos que qualquer um pode observar no terminal de ônibus de Igaraçu é a ação permanente de vendedores de passagens - a maioria é constituída por homens -, que chegam ao ponto de atrapalhar a saída dos ônibus porque os motoristas têm de esperar que o fulano e a fulana que pagaram aos tais vendedores passem o cartão eletrônico na leitora da catraca e lhes devolva o cartão pela janela. Às vezes, os próprios vendedores sobem nos ônibus e ficam ali próximo à catraca atendendo os clientes. É de lascar.

Ao que parece os pombos que viviam sob o telhado do terminal migraram para um prédio da área comercial de Igaraçu. Ontem, à tarde, eu vários pombos por lá; e, creio, eram os mesmos que habitavam o terminal. Pombos realmente sabem viver.

6 de abril de 2024

Terminal de ônibus de Igaraçu: um terminal infernal

 Por Sierra

Fotos: Arquivo do Autor
Segundo o anúncio mais recente que eu li na imprensa, a previsão mais otimista deu conta de que o terminal será reinaugurado só em dezembro. Ou seja, nós usuários e dependentes do sistema de transporte público de passageiros e que recorremos ao terminal de ônibus de Igaraçu continuaremos recebendo nossa parcela diária de humilhação


Eu aposto com qualquer um que, caso fosse feita uma pesquisa de avaliação de satisfação com os usuários do principal terminal de ônibus de Igaraçu, cidade que integra a Região Metropolitana do Recife, o grau de insatisfação se não atingisse 100% dos entrevistados ficaria muitíssimo próximo disso.

Como se não bastasse sermos obrigados a conviver durante vários anos com uma interminável obra de ampliação, que já foi paralisada mais de uma vez, desde o último dia 27 de março nós, usuários e dependentes do sistema de transporte público de passageiros, estamos convivendo com mais uma situação precária e vexaminosa para embarcar e desembarcar dos coletivos.





No fatídico 27 de março as circunstâncias deram mais uma prova de que o que está ruim pode ficar pior naquele terminal de ônibus: um caminhão que transportava um contêiner bateu nos dos pilares da construção, provocando a possibilidade de queda de parte da cobertura do terminal e, por conseguinte, a sua interdição.










O que se viu desde a quarta-feira, dia do acidente, foi a elevação do nível de desrespeito para com os usuários que não dispõem de recursos financeiros para buscar outros meios de transporte que os conduza para seus locais de trabalho, escolas, hospitais, enfim, para os seus destinos a fim de resolverem seus compromissos cotidianos. Uma multidão teve e está tendo de embarcar e desembarcar dos ônibus do lado de fora do terminal, numa confusão que só vendo, porque não cuidaram sequer de fazer o mínimo, que era sinalizar os pontos da rodovia onde os coletivos que operam ali estavam/estão estacionando, para que assim, ocorresse o embarque; em vez disso, deixaram os usuários - idosos e portadores de limitações físicas, inclusive - metidos num salve-se quem puder, porque os funcionários da concessionária dos ônibus - e os da empresa que administra o terminal ficam por lá, na entrada com caras de perdidos - não têm conseguido contornar  a situação precária que nós estamos enfrentando.

Na última terça-feira eu testemunhei um desabafo raivoso de um homem que aparentava ter uns 50 anos de idade e que se dirigia para pegar o ônibus da linha Igaraçu/Macaxeira, o mesmo que eu peguei. Falando em tom elevado e de maneira exaltada, ele confrontou um dos fiscais da concessionária dizendo: "Isso aqui tá a maior bagunça. Os motoristas não têm lugar certo pra parar e a gente fica sem saber onde vai embarcar. Continua a demora pra gente chegar aqui. Minha viagem demorava vinte, vinte e cinco minutos e agora tá demorando quarenta, quarenta e cinco, atrapalhando tudo. Isso aqui tá uma vergonha". Muito mais jovem do que o cidadão que verbalizou toda  a sua insatisfação diante daquela situação, o fiscal manteve-se calmo e quase nada disse ao homem, mesmo porque, não  iria adiantar, já que a desgraceira estava ali a olhos vistos e ele nada poderia fazer para contorná-la naquele momento.

Imagine suportar esse estado de coisas sob chuva e sol na beira de uma estrada; e sabendo que algumas das linhas que operam no terminal atuam, em determinados períodos do dia, com intervalos de uma hora ou mais entre as viagens. 

Não sei se as tendas  que foram montadas dentro da área do terminal, que eu observei ontem, serão destinadas aos usuários até que toda a cobertura que existia ali seja reposta e/ou trocada. O que eu sei dizer, com toda a certeza, é que, como usuário que busca e que se serve do sistema de transporte público de passageiros, a situação que nós estamos vivenciando ali há quase duas semanas é humilhante. Se não deu para providenciar no dia do acidente, por que a empresa administradora do terminal não tratou de mandar armar tendas lá do lado de fora, onde os usuários dos ônibus estão ficando sob sol, chuva e sereno e sem banheiro e ainda por cima à mercê da ação de marginais, correndo o risco de serem assaltados?

Como eu disse em linhas atrás, as obras de ampliação do terminal de ônibus de Igaraçu vêm se arrastando há vários anos; e, segundo o anúncio mais recente que eu li na imprensa, a previsão mais otimista deu conta de que o terminal será reinaugurado só em dezembro. Ou seja, nós usuários e dependentes do sistema de transporte público de passageiros e que recorremos ao terminal de ônibus de Igaraçu continuaremos recebendo nossa parcela diária de humilhação.











Ontem, à tarde, enquanto esperava pelo ônibus que me levaria de volta para a Ilha de Itamaracá, onde eu moro, por um tempo eu fiquei a observar os pombos que viviam sob o telhado do terminal voando de cá para lá e de lá para cá como que desorientados e sem saber onde iriam ficar. Aqueles pombos ali de alguma forma representavam as pessoas que desembarcavam na rodovia e se encontravam desorientadas ao tomar conhecimento de que o terminal estava interditado e que elas e todos nós estávamos entregues ao deus-dará.

30 de março de 2024

Foi há sessenta anos

 Por Sierra


Foto: Internet
A História que não se conhece e que se quer a todo custo ignorar não deixa de ser História.  O passado é um mestre incansável que sempre está disposto a nos dá lições. A Ditadura Militar que foi instalada neste país em 1964 e que durou até 1985, de algum modo permanece refletida nestes dias de hoje em que uns e outros almejam instituir outra ditadura e massacrar mais uma vez a democracia. Ditadura nunca mais!


O Brasil é, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um país que abriga 9 milhões e 300 mil indivíduos analfabetos. Muito triste e vergonhoso isso. E essa realidade e esse quadro  social de analfabetismo fica ainda mais triste e vergonhoso isso. E essa realidade e esse quadro social de analfabetismo fica ainda mais triste e vergonhoso quando se sabe que nesta nação nasceu um dos educadores e alfabetizadores mais respeitados do mundo, que foi o pernambucano Paulo Freire, o homem das "palavras geradoras" como ti-jo-lo, que promoveu uma verdadeira revolução na prática da alfabetização.

Paulo Freire foi um dos muitos cidadãos que foram perseguidos e cassados pelos militares que decretaram um golpe de Estado em 31 de março de 1964. Sob a alegação de que estavam agindo em defesa da democracia que corria sérios riscos de ser dragada pelo comunismo exaltado e defendido por Miguel Arraes, Carlos Marighella, Fernando Gabeira e tantos outros, os militares estabeleceram uma ditadura que perdurou por vinte e um intermináveis e massacrantes anos. Uma ditadura que não se furtou de agir como costumam agir todas as ditaduras: prendendo arbitrariamente os supostos inimigos da nação; censurando ferreamente a imprensa; cassando direitos políticos; fechando o Congresso Nacional, aposentando compulsoriamente funcionários públicos; e torturando, assassinando e ocultando os corpos de opositores, numa sempre ativa e ameaçadora atitude de desrespeito à dignidade humana.

Como pôde um terror e um retrocesso governamental dessa magnitude perdurar por vinte e um anos? Uma das respostas é que os militares das Forças Armadas além de se portarem como os bastiões, os únicos bastiões, seja melhor dito, a defender a pátria e a soberania nacional, gostaram de estar com o poder nas mãos e, por conseguinte, de desfrutar as benesses que o pleno domínio da máquina pública proporciona a quem a gere. Outra explicação é a que diz que nessa empreitada ditatorial os militares contaram com um amplo apoio de uma elite empresarial e de uma multidão católica que repudiavam veementemente o comunismo ateu financiando ações contra os perseguidos e organizando marchas em que diziam ser defensores de Deus, da pátria e da família, daí por que, para alguns, o golpe de Estado de 1964 foi de caráter civil-militar.

Em que pese os sempre exaltados anos do chamado "milagre brasileiro", período em que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) cresceu a altas taxas, período esse ao qual uns e outros recorrem como que para mostrar o "lado bom" do regime de exceção, o fato foi que as desigualdades sociais permaneceram em alto relevo neste país, como se fosse matéria imutável. E o contingente de analfabetos continuou como um distintivo de nosso atraso social.

Querendo dar um carimbo de legitimidade a tudo que eles fizeram durante aquele período, os militares - e também o seus simpatizantes e apoiadores civis - ainda hoje alegam que naqueles anos estavam combatendo subversivos e guerrilheiros que pretendiam implantar um regime comunista no país. Eles dizem isso para justificar todas as atrocidades, crueldades e desumanidades que cometeram em sua "caça às bruxas". Da forma como foi institucionalizada, a tortura não poupava ninguém que fosse apontado como "inimigo da nação", que poderia ser qualquer um, bastando que o apontassem na rua como tal, bastando que um vizinho o denunciasse como tal.

O Estado é - ou deveria ser - o defensor perpétuo da civilidade e da Justiça e não da prática da barbárie e do passar por cima das leis, como os militares faziam. Não é à toa que ainda hoje a prática da tortura ocorre em delegacias de polícia e nos becos, ruas e vielas de subúrbios por este país afora . Igualmente não é à toa que a polícia brasileira é uma das mais letais do mundo; é uma polícia que mata sobretudo pobres, negros e desvalidos, que não são encarados como cidadãos de fato e sim apenas como um número das estatísticas do IBGE.

Passaram 60 anos da decretação do Golpe Militar e grande parte da sociedade brasileira continua ignorando o peso desse passado tenebroso e infame. Tanto isso é verdade que milhões de indivíduos elegeram Jair Bolsonaro para a presidência da República; elegeram um indivíduo que, além de ser defensor de torturadores da Ditadura Militar, passou quatro anos tramando um golpe contra o Estado Democrático de Direito. E a ignorância e a cumplicidade de seus seguidores não arrefeceram mesmo com a saída dele da chefia do Executivo nacional; e essas pessoas que, ao longo do mandato do facínora, participaram de atos de repúdio à democracia em várias partes do país, que acamparam defronte a quartéis rogando que o Exército tomasse de assalto o poder central mais uma vez; e que ficaram inconformadas com a derrota do meliante nas eleições de 2022, protagonizaram o espetáculo de depredação e saque dos prédios da Praça dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023, no que foi a maior demonstração de adesão que eles deram às atrocidades cometidas e defendidas por Jair Bolsonaro e ao golpismo que ele e os seus cúmplices tramavam diuturnamente.

Hoje, véspera da efeméride do fatídico 31 de março de 1964, o Datafolha divulgou o resultado de uma pesquisa em que 64% dos entrevistados declararam que a data do Golpe Militar deveria ser desprezada. Vejam a que ponto de alienação, indiferença, embrutecimento e desprezo pelo nosso passado nós chegamos.

No momento em que pelo menos parte de nossa sociedade não deixará a efeméride dos 60 anos do Golpe Militar passar em brancas nuvens - ignorando por completo a recomendação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um ex-prisioneiro da Ditadura Militar -, o país acompanha o desenrolar de investigações que envolvem militares de alta patente das Forças Armadas que estiveram mancomunados com Jair Bolsonaro para tentar viabilizar a decretação de mais um golpe militar neste país. Que triste sina essa do Brasil!.

Por mais que uns e outros queiram fazer de conta que o Golpe Militar decretado em 1964 e os seus vinte e um anos de vigência já passaram, a realidade nossa de cada dia deixa o tempo todo evidente que tal acontecimento não passou coisíssima nenhuma, porque são várias as feridas por ele deixadas que se recusam terminantemente a cicatrizar.

Ditadura nunca mais!

23 de março de 2024

A resistência do analfabetismo

 Por Sierra


Imagem: Internet
Educação não é assunto para depois; é assunto para agora, porque educar leva tempo. Enquanto a educação não for a prioridade das prioridades neste país, continuaremos amargando a triste realidade de uma elevada taxa de evasão escolar de mãos dadas com um contingente absurdo de analfabetos

Pode algum dirigente de uma nação afirmar que está empenhado em promover a conquista da cidadania de cada um dos habitantes do país sem que a tais indivíduos seja facultado o acesso à escola, a uma escola que seja realmente capaz de alfabetizá-lo?

Foi essa pergunta que eu me fiz ontem quando li uma matéria num portal de notícias que dava publicidade a dados sobre o panorama educacional brasileiro divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)  na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) 2023. De acordo com tais dados, o Brasil possui ainda espantosos 9 milhões e 300 mil pessoas com 15 anos ou mais de idade que não sabem ler ou escrever.

É claro que uma situação vergonhosa como essa não é fruto do acaso. Quem ler, por exemplo, duas obras básicas sobre o histórico do estabelecimento do ensino neste país, que são História da educação, do Paulo Ghiraldelli Jr. (2ª ed. São Paulo: Editora Cortez, 1994) e Grandezas e misérias do ensino no Brasil, da Maria José Garcia Werebe (4ª ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, s. d.) fica estarrecido diante da construção de todo um aparato institucionalizado pelo Estado que resultou na vigência, durante décadas, de um cenário escolar que era quase que totalmente vedado àqueles que não fossem filhos de famílias economicamente privilegiadas, ou seja, a maior parte da população. De modo que tais limitações e dificuldades de acesso à educação formal geraram um contingente muito expressivo de analfabetos e também dos chamados analfabetos funcionais, que são aqueles indivíduos que, embora tenham aprendido a ler e a escrever, não desenvolveram a contento tais competências, o que faz com que eles não consigam redigir um texto simples sem cometer falhas graves e nem compreender de todo narrativas igualmente simples.

Não é preciso ser um especialista em Pedagogia e nem conhecedor das obras dos teóricos da Educação para sabermos quão impactante é para a sociedade abrigar em seu seio um número elevado de analfabetos; impacto esse que, particularmente, afeta sobremaneira a vida da pessoa que não sabe ler nem escrever. As desigualdades socioeconômicas que marcam a realidade, ou melhor, as realidades dos quatro cantos deste país são um dos reflexos da histórica precariedade do sistema público de ensino e mesmo da ausência dele. Indivíduos com pouca ou nenhuma formação escolar tendem a conseguir subempregos e até ser vítimas do que legalmente é denominado de "trabalho análogo à escravidão". E uma mão de obra portadora de formação escolar deficiente e/ou desprovida dela tende a ser pouco produtiva porque não sabe ler um manual, uma receita, um aviso, etc., e, em consequência disso, fica com os seus conhecimentos limitados.

Em sua obra aqui citada, Maria José Garcia Werebe afirmou que "Não se pode pretender realizar a prosperidade de uma nação apenas com uma elite instruída, ao lado de uma população analfabeta" (Op. cit., p. 234). E uma boa formação escolar, salientou a autora, está direta e fundamentalmente ligada à educação basilar que deve "oferecer um mínimo de cultura básica a todos os brasileiros".

É fato amplamente sabido por aqueles que se interessam por assuntos ligados à educação que, no Brasil, há muitos anos, é bastante elevado o índice de evasão escolar. E as explicações que os especialistas dão para isso são as mais diversas: práticas de ensino pouco atraentes e/ou desconectadas com a realidade cotidiana dos estudantes; falta de recursos financeiros dos familiares dos alunos para conseguir mantê-los  frequentando as escolas; o imediatismo dos jovens que pensam que tudo poderia ser mais breve e fácil de ser alcançado e não durar anos a fio, como a vida escolar; a necessidade que muitos desses jovens têm de arranjar logo um emprego para ajudar nas despesas da casa; etc.

Numa realidade cada vez mais cheia de aparatos tecnológicos que exigem de nós inúmeras competências atreladas ao saber ler, o drama desses 9 milhões e 300 mil analfabetos que o Brasil abriga só tende a aumentar. Drama esse que inclui, principalmente, ficar de fora do aproveitamento de tais tecnologias e, por conseguinte, na dependência de quem os guie pelos labirintos dessas mudanças.

Recordando mestre Paulo Freire, um educador que vem sendo tão atacado por uma gente que se apresenta, como não poderia deixar de ser, como conservadora e opressora, educar deve ser para a prática da liberdade e da autonomia: "A educação deve ser desinibidora e não restritiva. É necessário darmos oportunidades para que os educandos sejam eles mesmos. Caso contrário domesticamos, o que significa a negação da educação" (Paulo Freire. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 32)..

A resistência e a persistência de um grande contingente de analfabetos neste país deveria envergonhar toda a sociedade e não somente os governantes. Mas, infelizmente, não é isso o que ocorre. Quantas pessoas será que leram e/ou de alguma outra forma tomaram conhecimento da divulgação dos dados sobre analfabetismo feita pelo IBGE? Em matéria de educação nós continuamos mantendo o comportamento de um aluno que acredita que o que o professor está querendo lhe ensinar não vai servir para a vida dele, e, por isso, ele não o leva a sério como deveria, o que é um comportamento de quem parece não compreender que a educação escolar é um veículo de promoção de transformação social.

Educação não é assunto para depois; é assunto para agora, porque educar leva tempo. Enquanto a educação não for a prioridade das prioridades neste país, continuaremos amargando a triste realidade de uma elevada taxa de evasão escolar de mãos dadas com um contingente absurdo de analfabetos.

16 de março de 2024

A verdade é verde-oliva

 Por Sierra


Imagem: Internet
Como era de se prever, Jair Bolsonaro e os seus comparsas golpistas estão desmerecendo, desqualificando e fazendo de conta que não se importaram com os depoimentos dos generais Carlos Baptista Junior e Freire Gomes. Eles  estão negando o poder devastador das declarações dos generais porque é do jogo defensivo negar. Mas os elementos comprobatórios da trama golpista estão todos de posse da Polícia Federal e do STF: vídeos e relatos de reuniões, minuta do golpe, depoimentos confirmatórios...


Durante os longos e infernais quatro anos que durou o desgoverno de Jair Bolsonaro, os que tinham olhos para ver e ouvidos para ouvir acompanharam o desenrolar de um espetáculo grotesco e macabro protagonizado pelo então presidente da República e por seus cúmplices e comparsas. Os quadros encenados eram um misto de selvageria, brutalidade, absurdo e non sense em meio à ocorrência de uma pandemia  - a da covid-19 - altamente letal.

Encarnando a figura de um pretenso "salvador da pátria", Jair Bolsonaro montou um esquema eficiente de convencimento para a sua plateia que era integrado por várias milícias. Quais sejam? Uma milícia digital comandada por um denominado Gabinete do Ódio, que se ocupava  em destruir reputações daqueles que eles tinham como inimigos e em espalhar, diariamente, pelas redes sociais, a maior quantidade possível de notícias sabidamente falsas, porque qualquer mínima checagem do que era divulgado constatava a inveracidade dos "fatos". Uma milícia governamental amparada por um amplo aparelhamento do Estado com uma multidão de indivíduos ocupando muitos cargos da administração pública que não se furtavam a colaborar com os acertos necessários para liquidar toda e qualquer possibilidade de Jair Bolsonaro perder o pleito seguinte e, assim, se manter no poder por mais quatro anos ou até mais, porque era superevidente que esses espécimes não queriam de forma alguma ser apeados do poder. Uma milícia dita cristã que contava com alguns padres malignos, mas que era formada, principalmente, por pastores evangélicos mal-intencionados e pilantras que posavam de líderes espirituais cuidando não de seus rebanhos e sim dos próprios próprios bolsos e interesses particulares, enriquecendo e vivendo no bem bom à custa de dizimistas e de negócios escusos, como a "oferta" de apoio a uns e outros políticos; apoio esse que significava  manipular e fazer a cabeça dos fiéis recorrendo a toda sorte de mentiras e falsidades para que eles votassem em determinados candidatos e ao mesmo tempo tratassem de demonizar outros. Uma milícia empresarial constituída basicamente por proprietários de grandes estabelecimentos comerciais e por agropecuários interessados em políticas governamentais trabalhistas que beneficiam os patrões em detrimento da situação dos empregados e, também, sequiosos de instituição de leis ambientais frouxas e altamente permissivas de desmatamentos e de exploração de terras de tudo que é jeito, leis essas do tipo "deixar a boiada passar", que não têm nem preocupação e nem cuidado para com a preservação do meio ambiente; empresários esses que se puseram a financiar atos antidemocráticos.. E por uma milícia militar, tida como garantidora e legitimadora de tudo o quanto Jair Bolsonaro desejasse fazer e acontecer; e que era constituída por membros de todas as denominadas Forças de Segurança: municipais, estaduais e federais sob o comando, digamos assim, das Forças Armadas, em geral, e do Exército, em particular.

O aparato miliciano a dar apoio ao desgoverno de Jair Bolsonaro era enorme e bem capilarizado. E tal aparato deixava o tempo todo ver que era e estava disposto a tudo, a tudo mesmo, até a matar, como vimos na série de ameaças a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e ao então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, nas agressões físicas a jornalistas, na implantação de uma bomba num aeroporto e no assassinato de um apoiador do candidato do Partido dos Trabalhadores no Paraná.

Com o fito claro de angariar o maior apoio possível de membros das Forças Armadas, Jair Bolsonaro instalou milhares de militares em ministérios e em dezenas de órgãos do desgoverno. E fez mais, muito mais pelos militares de alta patente: aumentou os salários deles;  e destinou muitas verbas para os quartéis. O desgoverno militarizado era a face fardada de um sujeito oriundo da caserna que sempre exaltou torturadores e que é saudoso da Ditadura Militar.

Pois bem. Absolutamente crente de que contava com um amplo apoio de todos esses quadros de milicianos, ao mesmo tempo em que tratava de desqualificar por completo os adversários, dizendo que eles eram adeptos do comunismo e inimigos ferrenhos da família, da religião, da moral e dos bons costumes e da pátria, Jair Bolsonaro apostava cegamente que ganharia - e com folga - as eleições gerais de 2022. Só que algo correu fora do script redigido por ele e por seus comparsas: Luiz Inácio Lula da Silva derrotou o danado do Jair Bolsonaro. E o que se viu a partir dessa derrota eleitoral foi o recrudescimento das manifestações antidemocráticas dos milicianos ultradireitistas bolsonarianos, que não se conformavam com o fato de terem sido derrotados; e que, por conta disso, acamparam defronte a quartéis clamando  - alguns até ajoelhados dando uma demonstração de bestialidade, teatralidade e alucinação - para que o Exército não reconhecesse o resultado das urnas eletrônicas - urnas essas que eles diziam e dizem ser uma grande fraude - e decretasse uma tomada militar do poder republicano, passando com tanques por cima ados fundamentos da democracia; e, ao serem ignorados pelo comando militar, partiram para protagonizar o inesquecível e deplorável  acontecimento do 8 de janeiro de 2023, quando, formando uma numerosa horda, milicianos apoiadores de Jair Bolsonaro se dirigiram até Brasília e depredaram e saquearam os prédios da Praça dos Três Poderes deixando outra vez evidente que selvageria e ações criminosas são marcas características e indeléveis deles.

É preciso que se diga que, até que se chegasse aos bárbaros e criminosos acontecimentos do 8 de janeiro, quando Luiz Inácio Lula da Silva já havia sido empossado como o novo presidente da República brasileira, Jair Bolsonaro juntou-se  a uma parte de suas milícias antidemocráticas e tramou 24 horas por dia como não reconhecer o resultado da eleição presidencial de 2022 e decretar um golpe de Estado neste país. E como se soube de tudo isso? Investigações determinadas pelo STF e conduzidas pela Polícia Federal resultaram na reunião de vários elementos comprobatórios da trama golpista e na prisão de comparsas e cúmplices de Jair Bolsonaro, o que levou à coleta de depoimentos esclarecedores de grande parte do enredo que redundaria em mais um período de aprisionamento e aviltamento da democracia, caso tivesse tido êxito.

Intimados a colaborarem com as investigações que evidenciaram ainda mais periculosidade de Jair Bolsonaro e o seu desapreço pelos ideais democráticos, militares de alta patente das Forças Armadas, entre eles o general Freire Gomes, que comandou o Exército durante parte do desgoverno do dito-cujo, fizeram declarações devastadoras que puseram o ex-presidente definitivamente na cena do crime ou dos crimes. Coube ao general Freire Gomes o depoimento considerado até agora o mais expressivo e contundente entre todos os que foram ouvidos pela Polícia Federal; ele foi um dos que tiveram coragem de falar, porque uns e outros covardemente puseram o rabinho entre as pernas e mantiveram um silêncio cúmplice com o infrator.

Ontem, em mais uma demonstração do grande, exemplar e corajoso papel que vem arduamente desempenhando em defesa da democracia, o ministro Alexandre de Moraes tornou públicos os depoimentos dos militares, no que foi um dia de lavação da alma para todos aqueles que, como eu, não veem a hora de Jair Bolsonaro ir parar na cadeia, depois que forem seguidos todos os ritos legais para isso, a fim de que não se repitam as atrocidades que fizeram com Luiz Inácio Lula da Silva que, entre outros absurdos, foi conduzido coercitivamente para prestar um depoimento a mando do parcial juiz Sergio Moro que, tempos depois, seria completamente desmascarado; condução coercitiva essa desnecessária e montada para que produzisse um espetáculo midiático que teria a Rede Globo como principal exibidora, essa mesma Rede Globo que os sequazes, cúmplices e comparsas de Jair Bolsonaro passaram raivosamente a atacar, a desqualificar e a chamar de "Globo Lixo" nas voltas que o mundo deu.

Como eu disse, o depoimento do general Freire Gomes foi devastador para o golpista Jair Bolsonaro. Foi devastador e ao mesmo tempo não deixou de ser algo irônico que tenha vindo logo do Exército, a força a qual Jair Bolsonaro o tempo todo chamava de "meu Exército" e que ele tomava como grande fiadora do seu autoritário e infame projeto de poder. O general Freire Gomes de uma só tacada livrou este país de mais uma ditadura e ajudou a limpar a imagem do Exército perante a parcela da sociedade que jamais sequer simpatizou com o pensamento e os propósitos do ex-presidente; imagem essa de um Exército que Jair Bolsonaro passou quatro anos sujando e vilipendiando, colocando-o no olho do furacão do seu projeto de poder.

Como era de se prever, Jair Bolsonaro e os seus comparsas golpistas estão desmerecendo, desqualificando e fazendo de conta que não se importaram com os depoimentos dos generais Carlos Baptista Junior e Freire Gomes. Eles  estão negando o poder devastador das declarações dos generais porque é do jogo defensivo negar. Mas os elementos comprobatórios da trama golpista estão todos de posse da Polícia Federal e do STF: vídeos e relatos de reuniões, minuta do golpe, depoimentos confirmatórios...

Um resumo da fracassada opereta golpista: Jair Bolsonaro e alguns dos seus comparsas estão lascados e deverão ser presos. E, ao menos por ora, a verdade é verde-oliva.

9 de março de 2024

Personas urbanas (31)

 Por Sierra


I can buy myself flowers.

Write my name in the sand.

Talk to myself for hours

say things you don't understand [...]

Can love me better.

I can love me better, baby.   


                                                                 Flowers. Gregory Hein/Michael Ross/Miley Cyrus


Eu não faço escolha pela dor e nem pelo sofrimento. Na semana passada, num momento de mergulho do pensamento no mar interior de frustrações, eu chorei copiosamente. É muito ruim carregar frustrações consigo. Por isso é preciso, quando e sempre que for possível, recolher tais coisas que ficam mesmo que residualmente dentro de nós, colocá-las dentro de um saco e descartá-lo numa lixeira. Higiene corporal também é isso e não somente ir para debaixo de um chuveiro.

Faz pelo menos dez anos que eu ouvi um conhecido meu dizer que nós não devemos nunca e jamais fazer escolha pelo sofrimento, porque o sofrimento já vem sem o queiramos, já vem sem pedir licença para entrar na nossa vida, já vem sem receber convite para ficar bem junto de nós, já vem sem que nós precisemos pagar nada por ele, já vem sozinho e das mais variadas maneiras e formas, já vem, enfim, quando menos o esperamos.

Por mais óbvia que a não escolha pela dor e pelo sofrimento possa parecer, não é difícil encontrar por aí quem faça escolha justamente pelo sofrimento, como se a pessoa tivesse uma pré-disposição para isso. Por que escolher sofrer? Por que decidir por conta própria carregar uma cruz? Por que promover uma autoflagelação? Por que passar a vida apegado a sentimentos que só fazem deixar você triste e desconsolado? Por que se manter apegado a perguntas e a questionamentos para os quais você não encontra respostas e que, ainda por cima, martiriza você?

Ocasionais momentos de tristeza, como o que me acometeu dentro de um ônibus, quando eu saíra do trabalho e voltava para casa, na semana passada, são diferentes de um comportamento de quem fica o tempo todo remoendo uma situação e um acontecimento permanecendo num estado tristonho como se estivesse promovendo uma autopunição. Sim, eu sei, é claro que eu sei que não são poucas as pessoas que convivem diária e obrigatoriamente com indivíduos que as maltratam e que abusam delas física e psicologicamente. Eu também sei que não são poucos os indivíduos que já recorreram a tratamentos e terapias que não conseguiram livrá-los de traumas e sofrimentos indizíveis. Eu sei de tudo isso, porque também carrego comigo uma série de coisas ruins que deixaram no meu pensamento marcas indeléveis ao longo destes meus cinquenta anos de idade.

No entanto, eu não me deixo ser açoitado por essas coisas ruins que me aconteceram; e, quando algumas delas vem sorrateiramente para junto de mim, eu trato logo de espantá-las, porque não admito mais ser marionete e refém da dor e do sofrimento por escolha própria. Não admito mais isso e me recuso terminantemente a aceitar  que nós devemos sofrer para que possamos, em algum momento, desfrutarmos das maravilhas do gozo e da felicidade. Comigo não, violão. Comigo isso não funciona.

Do mesmo modo que me aborrecem tremendamente as pessoas derrotistas, eu não suporto o tipo que fica num chororô sem fim porque se mantém apegado à tristeza. Ah, seu marido arrumou outra e foi embora? Ora, trate de aprender a viver sem ele e de se apaixonar de novo, nem que seja por você mesmo, tipo Miley Cyrus cantando "Flowers" toda cheia de si, sabe? Teve uma perna amputada num grave acidente de moto? Em vez de ficar choramingando pelos cantos e dizendo que a sua vida acabou, considere seriamente a possibilidade de virar um atleta paralímpico e encher o seu peito de medalhas. Demitiram você no mês passado? Erga a cabeça e prepare-se para o desafio de sair em busca de outra oportunidade de trabalho; o que não dá é para passar o dia diante da TV ou agarrado ao telefone celular esperando que do nada , como num passe de mágica, apareça um emprego para você. Tirou nota baixa na escola? Pense que, talvez, o grande culpado por esse mau desempenho seja você mesmo e não a didática do seu professor; estude para aprender de verdade e melhore sua nota na próxima prova. Não conhece seu pai ou sua mãe biológicos ou nenhum dos dois? Criatura, você vai passar o resto dos seus dias procurando por eles é? Olhe para você. Você sobreviveu a essas ausências; você foi acolhido por alguém. Eu nunca sequer uma única vez perguntei a minha mãe quem é, que cor tem e nem qualquer outra coisa a respeito do cara que transou com ela e que a fez me colocar no mundo. Eu não quero saber dele; eu quero é saber de oferecer o melhor que eu puder  a minha mãe, que fez o que pôde para me criar. 

Ao longo de nossa existência nós iremos passar por uma série de obstáculos que exigirão de nós não somente esforço para superá-los, como também disposição para tratar de sermos resilientes a fracassos, perdas, desilusões, dores e sofrimentos. 

Caso você ainda não aprendeu, trate de aprender a fazer sempre do limão uma limonada. A vida é assim: por vezes difícil, por vezes desafiadora, por vezes desafiadora, por vezes triste e por vezes maravilhosa e gostosa como uma limonada.

2 de março de 2024

A propósito de um péssimo serviço prestado pelo Correios

Por Sierra



Foto: Arquivo do Autor
Um dos pacotes que eu tive de ir apanhar às pressas na agência do Correios da cidade onde eu moro, porque essa antes admirada empresa me cobra um preço full de frete e não entrega a encomenda em minha casa


Poucas coisas são tão frustrantes para mim do que saber que uma encomenda que eu fiz voltou pelo Correios. Você esperou pelo pacote durante vários dias, a mercadoria chegou a sua cidade e não as suas mãos e retornou ao ponto de origem do envio, porque não foi entregue na sua casa e nem retirada na agência.

Eu moro numa ilha-cidade da Região Metropolitana do Recife chamada Ilha de Itamaracá. O serviço de entrega de correspondências e encomendas prestado pela agência do Correios daqui é muito deficiente e precário. A ilha possui apenas um CEP, que é o 53900-000; e muitas, muitas ruas não são atendidas pelos carteiros. Ou seja, você paga por um serviço que não é prestado.

Vamos lá. Suponhamos que eu faça uma compra on-line numa empresa de São Paulo e você também, que mora aqui na ilha como eu mas em outro endereço. Cada um de nós pagou R$ 45,00 pelo frete. Enquanto você, que reside na Av. João Pessoa Guerra, irá receber o que foi enviado na comodidade de sua casa, eu, que paguei o mesmo valor de frete que você - eu vou repetir isso -, eu, que paguei o mesmo valor de frete que você - os R$ 45,00, lembra? - e que moro na Rua Pau-ferro, não receberei a minha encomenda em casa, porque nenhum funcionário do Correios, seja a pé, de moto ou carro, irá chamar meu nome pelo portão nem bater na minha porta. E, caso eu queira mesmo receber o que comprei, terei de driblar o horário do meu trabalho, pegar uma condução e ir até a agência retirar o meu pacote dentro do prazo muito limitado que o Correios estabelece.

Isso é justo? É claro que não é justo. Nem é justo e tampouco é correto. Eu sou mesmo levado a pensar que se trata até de uma caso em que o consumidor é lesado e enganado. Ora, se eu terei de pegar a encomenda na agência porque por algum motivo a empresa Correios não faz entrega na rua onde eu moro, qual a razão de eu não receber nem sequer um desconto no valor do frete? Isso era o mínimo que poderia e deveria ser feito, porque não faz sentido algum isso de se pagar por algo, por um serviço que inteiramente não me será oferecido e que, ainda por cima, fará com que eu reajuste a minha rotina laboral para dar um jeito de ir até a agência antes que a mercadoria seja despachada de volta. 

Como  se não bastasse cobrar o valor full do frete para áreas que antecipadamente a empresa sabe que não oferece os erviço de entrega - o Correios, até onde eu sei, dispõe de uma lista com os CEP's que possuem "restrição de entrega", restrições essas, melhor dizendo, que podem ser pelo difícil acesso às áreas, por falta de agências ou centros de distribuição próximos ou por insegurança -, o Correios tratou de dificultar - e eu diria até de penalizar - a vida dos seus clientes impondo medidas algo exageradas, como exigir uma declaração sua dizendo que Fulano de Tal está autorizado a fazer a retirada da sua encomenda em seu lugar - antes, bastava que a pessoa apresentasse  um documento pessoal e assinasse o comprovante de controle. A outra medida foi a determinação de que as encomendas que não forem retiradas na agência dentro do prazo de sete dias corridos - vou repetir isso também -, dentro do prazo de sete dias corridos - para você que porventura não entendeu, eu vou deixar mais claro: sábados, domingos e feriados entram na contagem do Correios, como se em tais dias as agências estivessem abertas e você não foi retirar a sua encomenda porque não quis - o seu pacote não estará mais disponível para você; ele será recolhido com uma rapidez impressionante, rapidez que nem o caro Sedex possui.

Muitos anos atrás o Correio era uma empresa que gozava de grande prestígio e admiração por parte do grande público que recorria aos seus serviços. Infelizmente já tem um bom tempo que a coisa mudou - e mudou para pior. Ninguém gosta de pagar caro - e nem quer - por um serviço que, além de ser caro, é precário e deficiente e, por isso mesmo, insatisfatório.

Todas a s vezes em que eu tenho de sair da minha casa para ir até a agência do Correios, daqui da ilha onde eu moro, retirar uma encomenda eu sou tomado por um sentimento que é um misto de raiva e decepção. Por essas e outras eu passei a apoiar a privatização dessa empresa. Algumas pessoas dizem que se isso acontecer o valor dos fretes subirá demais, coisa em que eu não acredito. Pior do que está não há de ficar. Pagar caro por um mau serviço por falta de opção é quase um ato de autossabotagem.

24 de fevereiro de 2024

Repúdio ao infanticídio

 Por Sierra




Imagem: Internet
Os casos de infanticídio ocorridos nos últimos dias na Ilha de Itamaracá tanto quanto expuseram as disputas de tráfico de drogas, deixaram ver que a banalidade do mal tira a vida até de seres inocentes e indefesos



Não há ódio. Não há força bruta. Não há revolta. Não há disputa. Não há inconformidade. Não há incompreensão. Não há calamidade. Não há dificuldade. Não há beligerância. Não há nada que faça com que eu aceite como coisa natural ou fatalidade os casos de assassinatos de crianças. Acredito que a maioria das pessoas pensa assim, porque todos nós enxergamos as crianças como seres indefesos contra os muitos males que existem no mundo, males no mais das vezes criados e propagados por nós, adultos; e reconhecemos que é preciso protegê-las de todas as formas que forem possíveis.

A fala algo equivocada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a respeito da ação que Israel vem há semanas mantendo na Faixa de Gaza lançou o olhar de parte da imprensa para uma questão crucial dessa guerra: a morte de milhares de pessoas, em geral, e de milhares de crianças, em particular, que vêm sofrendo também com toda sorte de restrições impostas pelo conflito bélico, como falta de água e de comida, atendimento médico e deslocamentos para lugares outros longe de suas casas que, em muitos casos, não existem mais. Espíritos de porco da imprensa deram destaque unicamente ao equívoco do presidente, que comparou o que os israelenses estão fazendo com os palestinos com o Holocausto por eles sofrido a mando do nazista Adolf Hitler. Não, não há comparação. O Holocausto, que dizimou milhões de judeus e outros indivíduos tidos como inferiores e indesejáveis, é um dos capítulos mais infelizes e tenebrosos da História da humanidade. Não, não é um Holocausto o que Israel está promovendo na Palestina; mas é também algo profundamente cruel e desumano, de modo que a fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve sim um teor em parte equivocado, só em parte, porque na sua essência ele foi preciso ao destacar a brutalidade que tem vitimado tantas vidas de inocentes sob a justificativa de que é preciso caçar e exterminar os terroristas do Hamas que praticaram atrocidades contra israelenses. O Holocausto não fez desenvolver um sentido amplo de humanidade entre os judeus e sim a busca permanente de uma autodefesa  e ataque aos seus tantos inimigos que existem por aí.

Não é de hoje que os casos de maus tratos, abandono, abusos sexuais e infanticídio aparecem aqui e alhures nas crônicas policiais. O que aconteceu foi que como advento e a popularização das chamadas redes sociais, esses crimes ficaram mais evidentes porque textos e imagens passaram a chegar a um número de pessoas muito maior do que no tempo das mídias tradicionais. A instantaneidade, a rápida divulgação e o amplo alcance das redes sociais nos pôs em contato com flagrantes de crimes que muitas vezes se espalham antes mesmo de chegar aos veículos de imprensa.

Na Ilha de Itamaracá, a ilha-cidade da Região Metropolitana do Recife, onde eu moro, em menos de uma semana e no mesmo bairro, a Biquinha, ocorreram dois casos de infanticídio com igual modus operandi: homens invadiram duas casas e dispararam vários tiros: no sábado, dia 17, morreu um bebê de apenas nove meses de vida; e na noite de anteontem a vítima foi um garoto de 10 anos de idade. Os episódios deixaram ao menos parte da população assustada, porque os casos de assassinato na ilha-cidade têm sido frequentes e, ainda nesta semana que acaba hoje, circularam boatos de um toque de recolher no bairro Forte Orange, com direito a vídeo de um suposto delinquente que fala sem mostrar a cara, circulando pelo WhatsApp. Um terror. Um terror.

Nada justifica o assassinato de crianças. Os episódios de infanticídio ocorridos aqui na Ilha de Itamaracá revelaram quão desprotegidos estamos todos nós; desprotegidos e à mercê de criminosos que, impiedosos e cruéis, não fazem distinção entre os alvos que eles querem atingir e eliminar.

Dia após dia a Ilha de Itamaracá vem perdendo o status e o prestígio de outrora, tempo em que figurava como um lugar que era uma espécie de paraíso na Terra, com suas praias de águas quentes sempre convidativas para banhos demorados. Nos dias que correm - e  isso não é de hoje, tem um bom tempo já - ao fechamento de hotéis e pousadas, ao desmatamento de nacos da Mata Atlântica principalmente para dar lugar à construção de casas, ao desordenamento urbano e à sensação de abandono e inércia do poder público se juntou o poder corrosivo da bandidagem que controla o tráfico de drogas. E tudo isso é muito lamentável.

Não permitamos que a nossa quase indiferença ao enorme número de assassinatos que ocorrem diariamente aqui em Pernambuco faça com que encaremos o infanticídio como mais uma dessas ocorrências de mortes que parecem não nos dizer respeito. Não, repudiemos isso de modo veemente. Crianças são a nossa chance de redenção; elas são uma possibilidade de que, como cidadãs adultas, elas deem certo, já que nós fracassamos em muitas frentes.

17 de fevereiro de 2024

Carnaval, sim! Apocalipse, não!

 Por Sierra


                                                                  Especialmente para André Araújo, o Bebê, folião que já se fantasiou até de Smurf e que aniversaria hoje


Fotos: Arquivo do Autor
Seguindo para o Largo do Amparo a ordem é tocar o sino dos cornos. Só toca quem já levou gaia, visse? Agora tu não vais fazer de conta que não levasses, por favor, que mentir é feio


No Carnaval deste ano eu fui inteiramente contagiado pelo samba enredo da Escola Mocidade Independente de Padre Miguel. "Prepare o seu coração/ Vem aí a escola da emoção/ Vem aí...". Esta introdução era e é por si mesma uma alegria. Aí vinha um José Paulo Sierra - um Sierra, um xará - esfuziante e vibrante comandando  o canto e chamando a bateria de Mestre Dudu. Foi maravilhoso isso. "Meu caju, meu cajueiro/ Pede um cheiro que eu dou...". Cantei a valer cheio de entusiasmo. A Mocidade não ganhou o desfile, mas ganhou, informalmente, escolhida pelo grande público, a certeza de que apresentou, na quarentona Marquês de Sapucaí, um samba enredo que caiu na boca do povo como há muito não se via. Foi arretado demais isso.


Primeiro dia no Largo do Amparo: alegria, alegria. Oba!





A princípio eu estava borocoxô e sem disposição para sair, pegar os busões da vida e ir curtir o Carnaval nas ladeiras de Olinda e no Bairro do Recife. No domingo eu fiquei em casa chocando os ovos ao mesmo tempo em que dava conta da feitura de um texto e acompanhava a folia pela TV e pelo telefone celular. Mas no dia seguinte. Ah, meu nego, ah, minha nega,  no dia seguinte não teve borocoxô certo: eu almocei, me aprontei e caí no meio do mundo, porque sete vidas quem tem é gato.



Eu no meio do Bloco Quase Que Não Sai na Rua do Amparo





Peguei dois ônibus para chegar a Olinda já decidido a só ficar por ali mesmo e não ir ao Recife. Não tive problemas com os busões. Pelo contrário. Foi tudo tranquilo. Não peguei nem ônibus cheio.

Muita gente subindo e descendo ladeira, porque Seu Rei mandou dizer que quem não gosta do Carnaval de Olinda vai para outro lugar...


... Não foi, Dona Florinda?


Como eu tenho feito nos últimos anos, quando vou sozinho para o Carnaval de Olinda, eu  adentro o sítio histórico e o espaço da folia pelo Largo do Amparo. Olinda possui vários pontos  marcantes no que diz respeito aos festejos de Momo - Quatro Cantos, Rua de São Bento, Rua do Amparo, etc. - e o Largo do Amparo é certamente um deles, porque, além de ser um espaço que fica pertinho da sede do Clube Carnavalesco Vassourinhas, é o lugar por onde passam muitos blocos e troças, o Homem da Meia Noite e outros gigantes da festa.


Com a turma do Grupo Grheia: pense num divertimento bom da gota!








Seguindo em direção ao Largo do Amparo, na Rua Nossa Senhora de Guadalupe,  eu toquei o sino dos que já levaram gaia na vida. Ri o riso bom dos que entram logo no clima da irreverência. E me detive por um tempo ali, no adro da Igreja de Nossa Senhora do Amparo, cantando e dançando junto a uma pequena orquestra que estava animando o povo.

Daí a pouco eu segui o Bloco Quase Que Não Sai, que tomou a direção da Rua do Amparo. Pense numa coisa boa que é se deixar levar pela alegria e pela euforia estando onde se quer e como se quer.



Meu segundo dia no Carnaval de Olinda: de novo começando pelo Largo do Amparo









Dali eu me dirigi até o Alto da Sé. E, junto ao Observatório Astronômico, eu me deparei com uma turma danada que cantava e dançava na maior zorra, acompanhada por uma plateia para lá de entusiasmada à qual eu tratei logo de me integrar, que eu não sou besta. Era o Grupo Grheia (  Grupo Recreativo Hedonista Irreverente de Amigos Percussivos Alto da Sé), que estava  ali. Gente, como foi divertido cantar e dançar celebrando Reginaldo Rossi e outros cantores marcantes do brega . E teve mais do que isso, visse? Lá pelas tantas nós entoamos até um "Sem anistia!" para lembrar que nós esperamos que a Justiça não dê nenhuma colher de chá ao traste do Jair Bolsonaro.

Mantendo o pique e caminhando por entre milhares de foliões, eu fui curtir uma parte do show do Siba, no Polo Erasto Vasconcelos, na Praça do Carmo. E assim eu preenchi o meu primeiro dia de aproveitamento do Carnaval.

No dia seguinte, na chamada Terça-feira Gorda, lá fui eu novamente me acabar no sobe e desce das ladeiras de Olinda. Ufa! O negócio é bom, mas cansa que só, visse?! Cansa e mesmo assim quem gosta do negócio não quer arredar o pé da agitação e nem sair do meio da multidão.

Ainda mais do que no dia anterior, eu me demorei no Largo no Amparo. Estava tão bom ali. A mesma orquestra da segunda-feira marcou presença e pôs todo mundo que a cercou para cantar e dançar. Mascarados. Caras limpas. Homem. Mulher. Uns já turbinados, cheios de álcool. Outros fumando um baseadozinho. Nada como o prazer, não é? Nada mesmo.


Na concentração à espera da saída da Troça Carnavalesca Ceroula: foi bom que só!









Andando que só a má notícia eu tomei o rumo da Praça do Jacaré, passando pelo Alto da Sé e descendo pela Ladeira de São Francisco para ficar na concentração, esperando pela saída da Troça Carnavalesca Ceroula. Uma multidão acompanhou a troça que celebrou esse mestre de todos nós que é o educador Paulo Freire.

Depois disso, eu fui prestigiar a muitíssimo boa e empolgante apresentação da banda Mestre Ambrósio, um dos grandes nomes da cena e do Movimento Manguebeat, na Praça do Carmo. Foi muito massa.

E assim eu cumpri a minha breve agenda de folião e súdito do rei Momo, tendo consciência de que o bom, o muito bom de toda e qualquer festa é a festa interior que ela provoca dentro da gente, pondo em ebulição uma variedade de sensações e sentimentos.

Enquanto isso, lá na Bahia, Baby do Brasil resolveu bancar a profetisa e anunciar o fim do mundo. Poxa, Baby do Brasil querida, apocalipse numa hora dessa não dá, mulher. Deixa esse apocalipse para lá porque o bom da vida pode começar e recomeçar, é só querer. Aproveita, visse?!